Duas linhas de ferro que totalizam mais 1,5 mil quilômetros de extensão partem de dois pontos no interior do Brasil rumo ao litoral: a Estada de Ferro Carajás (EFC), entre o Pará e o Maranhão, com 900 km, e a Estrada de Ferro Vitória Minas (EFVM), que liga Minas Gerais ao Espirito Santo, ao longo de 800 km. Sobre elas, desliza o maior trem do mundo (nas palavras de Drummond), carregando em seus vagões o minério que pulsa como o coração da economia global. Mas para as dezenas de comunidades que observam essa procissão de riqueza passar à sua porta, o que resta é o eco de um progresso que não as inclui.
É nesse território de contrastes que o artista visual Rodrigo Zeferino mergulhou para criar seu novo e visceral projeto, “Veia Aberta – à margem da estrada do ferro”. Com lançamento em duas etapas — um curta-metragem no dia 30 de setembro e a abertura de uma exposição em 1º de outubro —, o trabalho é um ensaio documental que transcende o registro factual.
“Veia Aberta” é a materialização de uma busca incansável do artista pelas cicatrizes deixadas pela mineração no Brasil. De linguagem documental e poética, desdobra-se em uma exposição de fotografias e um curta-metragem, que lançam um olhar crítico sobre o universo social e ambiental das comunidades que vivem às margens das ferrovias.
Zeferino conta que as pesquisas para a elaboração desse trabalho foram iniciadas em 2020, com recursos próprios, por meio do mapeamento de comunidades e algumas visitas técnicas às cidades que são margeadas pela Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), entre Governador Valadares e Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Mas foi em 2022, com patrocínio do XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia que o projeto começou a ganhar corpo, possibilitando ao artista percorrer toda a extensão da EFVM, entre o Espirito Santo e Minas Gerais. Em 2024, o trabalho é novamente laureado na XVII edição do mesmo prêmio, dessa vez com o objetivo de transitar pelas comunidades que habitam as margens da Estrada de Ferro Carajás (EFC), entre o Pará e o Maranhão. Foram cerca de 20 municípios visitados ao longo do percurso das duas grandes ferrovias da mineração no Brasil.
“Nesses quase cinco anos de pesquisa e muita transpiração, o trabalho foi assumindo formas variadas, evoluindo em diferentes direções e a exposição e o filme abrangem um pouco de cada uma das ideias, técnicas e abordagens que fui desenvolvendo ao longo desse tempo em que fui sensibilizado pelas situações e pelas pessoas com encontrei pelo caminho”, comenta Zeferino.
O novo trabalho de Zeferino conta com curadoria do paulistano Eder Chiodetto. Também fazem parte da equipe o artista visual e documentarista Nilmar Lage, a produtora cultural Cirlene Almeida, o biólogo Vitor Oliveira e a jornalista Mariana Penna.
A exposição
A exposição contará com 22 fotografias, em algumas das quais o artista faz interferências físicas com o próprio minério coletado no trajeto das ferrovias, aderindo-o às imagens. Este método torna cada obra uma peça única, diferentemente das tiragens seriadas, modelo comumente adotado pelo artista para disponibilizar seus trabalhos no mercado de arte. A exposição terá ainda uma obra em vídeo.
“Zeferino entra nesse tema sensível por um viés humanista que o levou ao encontro e ao diálogo com pessoas que vivem às margens da ferrovia, no intuito de entender e registrar os efeitos psicológicos, sociais e ambientais que os impactam. Em diversas localidades a linha ferroviária cortou cidades ao meio. Seguiu-se, então, a construção de muros entre os trilhos do trem e os vilarejos, restringindo a circulação e gerando ambientes de interdição inóspitos, insalubres e perigosos”, comenta o curador da exposição, Eder Chiodetto, que também já foi parceiro do artista em outros trabalhos.
O curta-metragem
Em seu novo trabalho audiovisual, uma obra de caráter contemplativo, Zeferino ressalta detalhes dos olhares atentos dos habitantes lindeiros e suas casas, mostrando esse universo que é simplório, na maior parte das vezes, e contrasta com toda a riqueza que escoa pela estrada de forma diuturna. Eles contemplam os trens que deslizam pela ferrovia que corta a paisagem na frente de suas moradas e que com seu eco hipnotizante ofusca as falas dos personagens, tomadas pelo constante barulho das rodas dos trens sobre os trilhos.
O curta metragem “Veia Aberta – à margem estrada do ferro”, cuja linguagem oscila entre o documentário e o filme de artista, foi produzido com recursos do edital LPG 02/2023 – Apoio às Produções Audiovisuais Mineiras e estará disponível no canal do YouTube de Rodrigo Zeferino (https://www.youtube.com/@rodrigozeferino3440).
Sobre o artista
Rodrigo Zeferino é um fotógrafo e artista visual com uma carreira consolidada e premiada. Seu trabalho é conhecido por explorar as complexas relações entre indústria, meio ambiente e sociedade e já lhe rendeu prêmios como o 1º lugar no Conrado Wessel (2016/2017) e o Prêmio Foto em Pauta para projetos de fotolivro (2019), ambos com a série “O Grande Vizinho”, um ensaio fotográfico que explora a relação complexa e muitas vezes conflituosa entre os moradores de Ipatinga (MG) e a presença dominante da indústria siderúrgica na paisagem e no cotidiano local.
No projeto “Veia Aberta”, o artista nos convida à reflexão sobre o modelo de desenvolvimento extrativista e suas consequências humanas e ecológicas, nos deixando com a incômoda e necessária imagem das diversas “veias abertas” do país.
Serviço:
Projeto “Veia Aberta – à margem da estrada do ferro”
Artista: Rodrigo Zeferino
Lançamento do curta-metragem: 30 de setembro de 2025
Local: https://www.youtube.com/@rodrigozeferino3440
Abertura da exposição: 1º de outubro de 2025
Local: Referência Galeria de Arte – Asa Norte CLN 202 Bloco B Loja 11 – Asa Norte, Brasília – DF.