Provavelmente você já conhece a fama dos queijos mineiros artesanais, não é mesmo? Pesquisas realizadas no Departamento de Ciência dos Alimentos da Universidade Federal de Lavras (DCA/UFLA) contribuíram para que a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) reconhecesse mais uma dessas variedades mineiras: o Queijo Minas Artesanal de Casca Florida (QMACF). Minas Gerais foi o primeiro Estado brasileiro a formalizar o queijo artesanal com casca florida.
A formalização foi possível graças à identificação do fungo que cresce na casca (superfície) desse queijo. Denominado Geotrichum candidum, o fungo foi isolado, identificado e é preservado pela equipe do Laboratório de Microbiologia dos Alimentos do DCA, sob a coordenação do professor Luis Roberto Batista. A demanda para a pesquisa surgiu em 2016, a partir dos próprios produtores de queijo, visto que até sua formalização, em 27 de dezembro de 2022, a comercialização do produto não era legalmente regulamentada por não se saber qual era o fungo presente no QMA e se seu consumo era seguro.
As etapas da pesquisa de identificação
A primeira etapa da pesquisa foi a caracterização morfológica, na qual o fungo Geotrichum candidum foi colocado em meios de cultura específicos e suas estruturas foram observadas no microscópio óptico. Depois foi feita a identificação por metodologia de espectrometria de massas (MALDI-TOF), que faz uma comparação do tamanho e da sequência das proteínas ribossomais que são bem específicas nos microrganismos, permitindo identificar e diferenciar as espécies. Cada microrganismo tem um padrão de proteínas e essa metodologia é capaz de identificá-los.
O sequenciamento molecular foi a terceira etapa da pesquisa, e consistiu em uma técnica utilizada para determinar a sequência dos nucleotídeos do gene ITS, RPB2 e Beta tubuliana. A quarta etapa, que teve seus primeiros resultados no final de 2022, foi a obtenção do genoma completo do Geotrichum candidum, pesquisa financiada pela FINEP, que dá mais segurança aos resultados obtidos desde as primeiras análises, sobre a espécie do fungo. De acordo com o professor Luis Roberto ainda serão realizados estudos a partir do genoma do Geotrichum candidum e espera-se que esse projeto seja concluído até o fim de 2024.
Para que as pesquisas contribuíssem para a formalização do Queijo Minas Artesanal com Casca Florida, trabalhos acadêmicos foram desenvolvidos. Até o momento, são cinco dissertações de mestrado e três teses de doutorado, algumas já concluídas e outras em andamento, além de cinco Trabalhos de Conclusão de Curso em Engenharia de Alimentos da UFLA. Atualmente, cinco estudantes de Iniciação Científica também desenvolvem pesquisas na área.
A pesquisa conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Prof. Luiz Henrique Rosa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e discentes da graduação e dos programas de pós-graduação em Ciência dos Alimentos e Microbiologia Agrícola da UFLA.
Mesmo após a regulamentação por parte da Seapa, os pesquisadores continuam acompanhando e instruindo os produtores, para que não haja um desequilíbrio no desenvolvimento dos fungos. Além disso, está sendo elaborada uma cartilha que será disponibilizada aos produtores, para que eles possam ter todas as informações necessárias sobre o fungo e consigam informar aos consumidores, da melhor maneira possível, sobre o produto que está sendo comercializado.
Uma curiosidade sobre o nome casca florida é que, de acordo com o professor Luis Roberto, cientificamente o nome é incorreto, pois ele é originário de microflora, visto que os fungos anteriormente eram classificados juntos com as plantas. Porém, atualmente, eles pertencem ao Reino Fungi, e o termo correto para se referir a esses microrganismos é microbiota. O nome casca florida permaneceu a pedido dos produtores e foi popularmente aceito.
Uma parceria entre Universidade e comunidade
O primeiro a enviar amostras para análise foi um produtor de Serro, município de Minas Gerais. Após os resultados iniciais, foi enviada uma carta ao produtor atestando que o fungo encontrado, o Geotrichum candidum, não apresenta risco ao consumidor, e ele encaminhou a carta à Seapa. Em 2021, iniciaram-se os trâmites para criar uma resolução que regulamentasse a produção e a venda do Queijo Minas Artesanal com Casca Florida.
Após essa primeira análise, produtores de outras regiões de Minas Gerais, como Serra da Canastra, Campos das Vertentes, Araxá, Cerrado e Diamantina, se envolveram no projeto. Desde então, são realizadas visitas técnicas da equipe de pesquisa às queijarias, para observar a higienização de toda a cadeia produtiva do queijo artesanal, da ordenha até a maturação. Até o momento, 16 produtores participam do projeto e os queijos são avaliados em duas épocas do ano.
A partir dessa demanda dos produtores, a equipe do Laboratório de Microbiologia dos Alimentos realizou a identificação dos fungos, leveduras e bactérias e idealizou um novo projeto, em andamento, que busca criar uma ferramenta que dê autenticidade aos queijos mineiros, a partir da identificação do perfil desses microrganismos, denominado de Microbiota terroir.
Todos os microrganismos isolados e identificados pelo laboratório estão sendo preservados na Unidade de Recursos Microbiológicos (URMicro), localizada no Centro de Biodiversidade e Recursos Genéticos da UFLA, e estão preservados em ultrafreezer a – 80°C para atender a demanda específica de cada produtor e para que as gerações futuras tenham condições de realizar novos estudos.
Segundo o professor Luis Roberto, a pesquisa promove uma grande contribuição científica e social, pois tornou conhecido o fungo presente no QMA e possibilitou sua regulamentação. “Possibilita uma valorização muito grande desses produtos, contribui para a autenticidade e identidade desses queijos. (…) A inovação auxilia na melhoria para a sociedade e essa pesquisa faz isso pelos produtores, que antes vendiam (o queijo) por R$20,00 e agora os vendem por R$90,00 ou mais, melhorando a qualidade de vida deles, e retirando da informalidade um produto que é patrimônio histórico e cultural de Minas Gerais”, comenta.